terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A FEIRA


“A grande tragédia da ciência: o massacre de uma bela 
hipótese por parte de um horrível fato”. – Thomas Huxley


O que eu não sabia era que, enquanto estávamos nesse lenga-lenga nos destroços semiescuros daquela porcaria de paintboll, fatos muito graves tinham ocorrido na “Feira de Tecnologia do Rio Grande – FETRG”, um dos maiores eventos organizados pela UTMIB para apresentação e negociação das novidades tecnológicas produzidas no Brasil, três horas antes do nosso ‘maravilhoso’ jogo começar.
É como eu sempre digo: “Onde a UTMIB se encontra boa coisa não pode dar”. 
As observações que reproduzo aqui foram fornecidas pelo Professor Robert Svenson, encarregado pela UTMIB de organizar a Feira. Ele prestou depoimento durante o Inquérito Policial aberto por causa do incêndio que ocorreu no Centro de Eventos Municipal, no último dia da Feira daquele ano.

"Na ocasião eu estava muito satisfeito. Foi um privilégio ser escolhido pelo Reitor, Dr. Stein, para ser o organizador da FETRG. O evento deste ano tinha tudo para ser o melhor da última década. Além dos estandes corriqueiros, onde se vendia tecnologia convencional, como os últimos lançamentos na área de vídeo, áudio e games, tanto produzidos a nível nacional, como municipal, havia um campeonato de robôs montados pelas principais faculdades e universidades do país, o que sempre atraia o público jovem e os aficionados por destruição.
Havia sido instalado um novo setor, também, onde se demonstrava as últimas inovações em robótica industrial, criação de andróides, bem como experimentos com nanorobôs para os mais diversos fins, inclusive a área de biomedicina.
Mas a grande atração dessa edição da feira, com certeza, era a UTMIB, por causa do promissor impacto que suas pesquisas em busca de soluções biodegradáveis e politicamente corretas em relação ao meio ambiente, para os mais diversos setores da indústria, bem como na área biomédica, visando possibilitar a manipulação de tecidos vivos e sintéticos, parecia estar produzindo. 
No estande da universidade poderia ser visto os mais diferentes aparatos médicos, robóticos, biológicos, entre outros, que demonstravam alguns experimentos (somente os autorizados, naturalmente) já realizados pela instituição e que tinham maior probabilidade de darem certo.
Eu lembrei, momentaneamente, de certos rumores, que corriam em sites regionais, com um cunho levemente conspiratório, de que a Universidade poderia estar envolvida em alguns experimentos pouco convencionais, com cadáveres e algumas parafernálias tecnológicas e viróticas. No entanto, nada nunca havia sido oficialmente mencionado aos professores e funcionários da Universidade, nem aparecido no jornalismo sério do país. Portanto, eu resolvi que tudo não passava de balela, dei de ombros e me voltei totalmente para o ambiente a minha volta. Eu tinha muitas responsabilidades durante aqueles quinze dias de feira.
Claro que eu percebi dois ou três indivíduos conhecidos em Rio Grande por estas denúncias, que somente circulavam pela internet, rondando o estande da universidade. A sra. Já viu algumas das páginas deles? Não? Tudo de muito mal gosto, realmente não sei como alguém poderia acreditar naquelas baboseiras.
Enfim, eu pensei: “O que não existe nos jornais, não existe no mundo”, parodiando o chavão do Direito, curso no qual eu era graduado, para afastar qualquer questão de consciência ao permitir que a UTMIB trouxesse para o meio de uma multidão alguns experimentos biológicos que bem poderiam ser perigosos, caso um frasco quebrasse. Preferi confiar no sistema de segurança montado pela instituição, que, além de vários seguranças, não permitia que algum indivíduo se aproximasse dos expositores com tais materiais, composto por um sistema de alarme que disparava quando um ser vivo transpusesse cinco metros de distância do material biológico. 
Caso isso ocorresse, quase imediatamente um segurança de cerca de 2 metros de altura e 100 quilos de músculos pulava em cima do desavisado e o imobilizava, não sem antes quase arrancar um de seus membros. Pelo menos assim tinha ocorrido na demonstração promovida pela universidade, tanto para os organizadores da feira, quanto no primeiro dia do evento, justamente para já preparar os visitantes, caso tentassem qualquer gracinha. 
Eu sabia que o sistema era totalmente confiável. Eu preferi acreditar nisso.
Restava saber se tal esquema funcionaria com a mesma eficiência em caso de incêndio, algum acidente ou outro fato que fizesse os visitantes entrarem em pânico e saírem em disparada pelo local do evento. 
No entanto, eu nem sequer cogitei sobre a possibilidade de alguma dessas situações ocorrerem. Pareciam totalmente improváveis. Afinal, nunca haviam ocorrido em anos anteriores, não seria neste ano, em que eu estava como diretor do evento mais importante da cidade, que iriam ocorrer. Eu tinha sido muito cuidadoso.
Mas, às vezes, o improvável é justamente o que acaba ocorrendo”, finalizou o Professor Robert pensativamente.
Então, o Inquérito foi arquivado muito mais rápido que o tempo que os bombeiros levaram para apagar as chamas. Os peritos concluíram, em menos de 24h, que tinha sido um acidente, um curto na fiação elétrica antiga do local, que nem autorização do Corpo de Bombeiros tinha para sediar eventos da magnitude da FETRG.
Simplesmente ignoraram que haviam outros interesses em jogo, inclusive o pequeno grupo radical mencionado pelo Professor Robert, grupo que estava ameaçando a Universidade por causa de algumas de suas pesquisas mais controvertidas e que não eram de conhecimento público.

Nenhum comentário:

Postar um comentário